10 de mar. de 2006

O oficial de justiça se vê numa daquelas situações onde ele se recorda, com saudosismo, da salinha do café no departamento de execuções fiscais da prefeitura. Um homem de quase quarenta anos sai algemado por resistir à apreensão de um bem em sua residência: uma cadeira em formato de sapato salto-alto. Ele era funcionário da empresa de sua falecida esposa. Como ela sustentava a família e a casa, com uma boa folga financeira, seu salário servia apenas para pequenas futilidades, revertendo geralmente ao pagamento de algumas regalias, restaurantes, cinemas, coisas da qual ele não achava bonito que fosse pago pela mulher. Há 6 meses atrás, resolveu gastar todo seu salário com uma reforma na casa, baseado naqueles seriados de decoração da TV a cabo, e quis fazer uma sala "estilo kitsch anos 60 - pop art". Comprou alguns itens a vista, muitos a prazo, e encerrou suas compras em uma loja que vendia cadeiras descoladas, com visuais excêntricos e assinadas por designers de móveis renomados. Por R$ 4.000,00, em dez parcelas, ele comprou tal cadeira e, foi sentado nela, ao terminar finalmente toda a decoração da sala, que recebeu o telefonema da morte de sua esposa, em um acidente. Suas memórias e seus medos criaram em sua cabeça cenários estranhos, e como uma espécie de seqüela, a partir daquele momento, aquela cadeira passou a ser, para o pobre viúvo, praticamente a reencarnação da esposa. Em poucos meses, sua inaptidão para tocar os negócios forçou o fechamento da empresa e, por falta de pagamento, a maioria dos bens adquiridos a prazo. O último bem a ser confiscado seria este, mas este homem daria sua vida para tê-lo em seus braços, nem que fosse por por mais alguns minutos apenas, para lhe agradecer pelo tempo que esteve do lado dele, para dizer como fora importante em sua vida.

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Auto de Apreensão:

Bem: Uma cadeira em formato de salto-alto
Valor da apreensão: R$ 4000,00


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Moral da história: nunca faça uma prestação para comprar coisas ridículas. A vida pode nos colocar em situações vexaminosas e, algumas delas, são de dar nó nas entranhas.

Um comentário:

RAC disse...

Isso foi uma indireta?
Eu já paguei o meu sofá-cama laranja, tá?