19 de nov. de 2007

Eu era fantástico.

Não lembro muito bem como eram as coisas no começo. Vou mais pelo que me contam e pelo que suponho que tenha sido. Mesmo assim, acredito mesmo que eu era muito melhor antes do que sou hoje, em todos os aspectos. Eu era ágil, pra começar. Hoje em dia não consigo correr 1km sem tropeçar na minha língua. E pensar que comecei a minha vida ganhando uma corrida decisiva com mais mais de 200 milhões de espermatozóides. Mas acho que eu era melhor com meu antigo flagelo do que sou hoje com as pernas. Só pode ser essa a explicação.
E, falando em fôlego, não consigo ficar mais que um minuto embaixo d'água sem respirar. Ninguém acreditaria se eu dissesse que passei pelo menos nove meses assim.
Quando eu era bebê era foda também. Toda mulher que me via passando na rua me olhava. Umas chamavam de lindo, outras sorriam, outras vinham me agarrar sem cerimônia. Era uma beleza. E olha que eu era baixinho, gordinho e carequinha.
Mas a estética dos anos 70 devia ser diferente. Hoje em dia pra ter o mesmo êxito eu teria que ter um cabelinho descolado, um sapato maneiro e uma camiseta rosa estampada com golinhas e mangas pretas.

Acho que cada vez as coisas são mais difíceis e, pela prospecção, a tendência é piorar. Daqui a pouco vou estar velhinho, sem dentes, fedidinho e possivelmente cego. Não vou servir pra muita coisa e nem que eu tenha algo interessante a dizer, vai ter alguém pra ouvir. Gastar a vida pra adquirir conhecimento, conquistar um belo corpanzil, realizar obras memoráveis... balela. A pluricelularidade do homem é o inferno. Bons tempos de quando eu era monocelular. Tinha um belo e ágil flagelinho, um monte de irmãozinhos ou cloninhos (sei lá) com inveja de mim... era legal.

Quanto mais células ganhamos, mais problemas vêm de brinde. E não é isso o câncer? Células que se reproduzem alucinadamente? Só problema.

E ficar velho é ir perdendo, né... Elas já não se regeneram mais muito bem e vão morrendo. Aí cai dente, cabelo, cartilagem, pinto, cai tudo. Caduco, enfim. Aí me pergunto: Pra quê? Acaba sendo como uma prestação de automóvel zero, pra pagar mais de 500 por mês durante 48 meses. Aí depois de 10 meses dá uma zica e não consegue pagar, acumula, multa, juros, e as parcelas voltam na sua cabeça como se fosse um míssil, até conseguirem arrancar de você seu carrinho, que por sinal já tava começando a dar gastos com seguro, IPVA, gasolina e borracheiro.

Por isso, jovem cabeçudinho flagelado que quer se aventurar no mundo daqui de fora, saiba que você está melhor aí onde está. Se por acaso encontrar um dia na sua frente uma barreira de látex, perder a corrida da vida ou mesmo acabar sendo descartado na privada (ou num corrimão de escada rolante [eu evito segurar, nunca se sabe... cada pervertido que tem nesse mundo]), tome ciência que ainda assim, está numa vidinha mais digna. Curta, de fato, mas mais tranquila. Quando der a largada, não tenha pressa. Fagocite alguma molécula de glicose e seja feliz.