29 de jan. de 2010

Comunique-se com o futuro

Suponha que você tenha algo realmente muito importante a ser dito para os que viverem na Terra em um futuro longínquo. Sua mensagem deve permanecer gravada, à prova do tempo, da água e do fogo, pelo máximo de tempo possível.

Perceba que os manuscritos do mar morto não são um bom exemplo, já que não durarão muitos milênios mais, uma vez que foram reintegrados à sociedade tão cedo.

Escreva na pedra. Entalhe as letras com formão.
Escreva, em algumas pedras, textos comuns, de coisas comuns, para que outros possam simplesmente ter material para conseguir reconstruir o idioma e os caracteres, a fim de ler as mensagens importantes.

Faça muitos desenhos. As histórias são melhor perpetuadas com imagens autoexplicativas.

Escreva em objetos de barro ou cerâmica - vasos, potes, esculturas. Eles resistem ao tempo e chamam a atenção, demonstram que a fonte é humana.

Enterre, para que não os encontrem tão logo.

Não use papel nem tinta, nem mídias digitais. Eles são os que perecem mais rapidamente, e daqui 300 anos certamente não mais transmitirão mensagem alguma.

E tenha a certeza de que daqui alguns milênios alguém vai olhar aquilo e achar que você era um primitivo que escrevia no barro e na pedra.

8 de jan. de 2010

O mistério da baunilha

Eu não entendo a baunilha. Não sei se é um cheiro ou um gosto. Ela é definida pelos substantivos que menos definem algo para mim: essência e aroma. Embora não tenha gosto de fato, tampouco um cheiro facilmente descritível, sua presença em qualquer coisa é marcante.

Para mim, a baunilha é como uma astronave que me conduz a uma centena de pontos diferentes da minha vida. Basta uma mordida em um bolinho ou uma colherdada de alguma sobremesa para que eu me submeta a momentos que nem sabia que se encontravam em minha memória. Me lembro de ser criança e estar na casa do meu avô e, no mesmo segundo, de um café rápido que tomei em uma manhã, antes de ir para a faculdade. Depois essas memórias descem pelo esôfago junto com o alimento e umas imagens traiçoeiras confundem a minha visão.

Se lembrança tem gosto, é de baunilha.

7 de jan. de 2010

No Portão 1 da USP

Vim caminhando da estação Cidade Universitária até a entrada da USP e me deparo com aquele bicentenário foco de alagamento no cruzamento da Afrânio Peixoto com a Alvarenga. Do outro lado da rua, um ônibus aguardava no semáforo. Corri e bati na porta, e o motorista fez um sinal de negativo com o dedo. Berrei: "me ajuda a cruzar a enchente, não consigo atravessar a pé!". E ele balançava a cabeça pra qualquer lado e me acenava com o dedo, como se não me ouvisse. Berrei mais alto. Uma hora ele se encheu e abriu a porta:
- Que você quer? Não posso pegar passageiro aqui!
- Só me ajuda a passar pela enchente, estou com roupa social...
- Não posso, vc acha que é assim, a gente dá carona pra qualquer um?
- Nao quero carona!! São 50 metros! Você pára depois da poça e eu desço...
- AAAAHHH mas ali é que eu não posso parar mesmo! Você tá achando que pode fazer essas coisas? Não pode, é meu emprego....
- Tá, falou. Tomara que você não precise nunca de ajuda.
- Não é nem por mim, é que não pode... [blá blá que eu não fiquei pra ouvir]

Entrei na USP, dane-se.
Pensei em pegar um ônibus no ponto, ou em ir a pé pra casa... Nenhuma opção era boa. O ideal era pegar na Vital Brasil, mas tinha que chegar até lá. Meu bilhete único acabou e aí eu seria obrigado a pagar duas passagens, sendo uma delas só pra me levar duas quadras, isso eu me recuso.

Então vi um cara no portão da academia de polícia, e fui até ele
- Opa... tudo bom?
- opa...
- O senhor não me deixaria cruzar por dentro da academia só para chegar do outro lado? Não consigo passar pela enchente a pé...
- Ahhh, não dá, sabe por que? Eu acabei de fechar a academia toda... como vai passar até lá se eu já fechei tudo?
- Eu sei, é que pela rua não dá...
- Mas e aí, eu já fechei tudo... Eu não vou abrir a academia par você passar, né, já fechei todas as portas, essa aqui é a última...
- Tá bom, deixa, brigado.
- Você queria o que, que eu abrisse tudo? Não posso, eu já fechei tudo, fechei a academia toda! Olha a hora!
- Tudo bem, eu não sabia, deixa, obrigado
- Obrigado eu! Mal-educado....

Fui novamente no cruzamento, pedi para um outro motorista de ônibus que me abriu a porta, cruzou a poça e me deixou em um lugar seco e seguro, e aí consegui voltar pra casa.

Sinceramente, o desleixo público com relação aquele cruzamento que sempre alaga não me incomodou tanto quanto a reação das pessoas que me negaram ajuda. Seus valiosos empreguinhos são ótimos pretextos para a cômoda omissão de um pedido de ajuda que, diferente da grande maioria dos pedidos, não era em nada lesivo. Diferente daquele profissional do semáforo, que faz carinha de triste e pede um trocado, eu não pedi nada senão um pouco de bom-senso.

O Brasil é o seu povo e, portanto, ainda subdesenvolvido.

5 de jan. de 2010

Manchetes: "Mogi-Bertioga é liberada". Aff.
Liberada, liberada. Depois de todo mundo subir e descer até pelo meio da mata virgem, liberam. Foda-se. Caiu uma pedra gigante no meio do caminho e se o custo pra liberar isso em tempo do reveillon for de 1 milhão de reais, então que se gaste isso - Já que não usaram nem uma fração disso pra garantir que na época de maior movimento o evento ocorrido não seria possível.

Que o erro básico do brasileiro - que é facilmente medido pelo seu encanto ao ver a meticulosidade de qualquer coisa na Europa - é fazer tudo justo, tudo na conta. Nunca há folga, nunca há margem. É fácil poupar dinheiro assim, cortando esses excessos em um país praticamente sem histórico de cataclismas.

Em um dia de tráfego pesado encontramos a Anchieta e a Mogi-Bertioga fechadas. Uma por causa de um acidente imbecil, de imbecis que trafegam como imbecis e fazem imbecilidades, aí algum imbecil acha que todo mundo é imbecil e então interdita a pista. O outro por causa de chuva, porque desbarrancou, interditou e deixou uma área perigosa.

Quanto pra resolver? Um milhão? dois, três, dez? Acho que isso é a quantidade de carros que trafegaram nesse momento - o gasto com combustível por todos eles, em reais pode ser estimado em este número multiplicado por cem.

Enquanto o mundo lá fora está enfrentando terremotos e guerras e velhos conservadores complexados, a gente toma chuva e morre. E não entende porque falam que tal estrada é "de primeiro mundo" ou porque aquele produto é "gringo". E o segredinho é simples, é sovinagem. O Brasil, de fato, eu não sei, mas São Paulo sim, posso afirmar com convicção, é um aglomerado de pão-duros.

Quando você estiver caminhando na chuva e se abrigar embaixo de uma marquise, pode verificar que o prédio que a projeta tem no mínimo cinquenta anos de idade. Naquela época ainda pensavam nisso, no mínimo. Hoje em dia a gente tem de lidar com coisas simples da natureza da maneira mais burra. Muita gente gasta hoje em dia mais de vinte mil reais em um guarda-chuva de luxo, com rádio, e ainda paga IPVA por ele. E não é pouca essa gente.

Eu não vou ser imbecil como alguns imbecis que conheci por aí que dizem que gastam muito dinheiro com bobagem enquanto muita gente morre de fome - mesmo porque nunca ouvi falar de ninguém que realmente morreu de fome. Vou dizer é o seguinte: Gastam o dinheiro com bobagem porque ela parece ser mais barata do que se gastar com coisas de utilidade pública, compartilhável. Se o que se lucra com a mão de obra infeliz do brasileiro não se reverte para beneficiá-lo com o mínimo, tipo proteger da chuva, então não está servindo é pra nada.

Faça a conta: Pense numa suposta aplicação onde está colocada alguma verba para administração pública. Essa aplicação rende surreais 26% ao mês. Ao final de um ano completo, quantas pessoas deixaram de aproveitar dessa verba, porque morreram de velha?