20 de dez. de 2009

Das poucas vezes que eu me vi no mato em meio aos bovinos, não soube o que fazer. Me lembro quando ainda era moleque e estava com uns poucos amigos, alguns mais capiaus, explorando trilhas. Fomos cercados por uma quantidade razoável de bois e vacas, não sei bem quantos, mas quando me dei conta estava rodeado deles. Rodeado intencionalmente; eles deram a volta na gente, era intimidador. Aí algum doido resolveu pegar uma pedra e jogar, elas se afastaram e saíram de circulação, e continuamos a trilha.

Na última vez, me lembro que eu estava encabeçando a trilha. Sei lá pra onde, exatamente. Aquela estrada podia dar em qualquer lugar. Mas as vacas começaram a me rodear e fiquei assustado. Tentei mostrar alguma soberania, mas estava num relevo desfavorável e me sentia mais ameaçado do que conseguia me fazer intimidador. A Pedra do Baú tem seus mistérios, e alguns deles não são em seus aclives, mas no sopé. Já fui castigado no mesmo lugar por vespas que se mantêm até hoje em minha memória e no meu tegumento, e toda cautela é importante.

14 de dez. de 2009

Gripe Americanina



Pelo visto eu não estou tão sozinho nos meus pensamentos paranóicos.

Quem se interessar por iniciar uma aberta e descabeçada campanha ostensiva de boicote à vacinação deixe um comentário. A idéia é quebrar todos os frascos e incendiar os estoques, agredindo violentamente aqueles que tentam aplicar veneno na população. Além disso, é desejável formar uma milícia estruturada capaz de dizimar as forças "pacificadoras" que inconsequentemente tentarão intervir nos atos.

Trabalhos III

Refletindo sobre o último post percebi que cometi um engano. Vender minhocas e bigatos não foi minha primeira empreitada como empresário. Na verdade, foi muito antes. Por volta de 85 ou 86, devia estar na terceira série, tive a brilhante idéia de fazer skates em miniatura de papelão e vender na escola. A idéia era interessante até: cortava um pedaço de papelão no desenho do shape de algum skate real que eu usavaria como modelo, no tamanho tal que ficasse bom para um boneco do comandos em ação ou playmobil. Usava umas 3 ou 4 camadas de cartolina para engrossar o shape, pintava com canetinha e colava lixa d'água. Depois, com plasticor fosforescente eu guarnecia as laterais, ficava parecendo as borrachas de proteção que os skates usavam naquela época. As rodinhas eram feitas com papelão enrolado e colado. Eu não tinha achado nenhum jeito muito melhor, mas depois de embeber o papelão em cola tenaz durante um tempo eu conseguia moldar ele e fazer parecer plástico.

O que ocorreu foi que usei o meu skate e do meu irmão como modelo pra produzir os primeiros, e levei na escola. Um amigo falou que queria que fizesse o dele também, e eu cobrei alguma coisa que hoje me dá a impressão de equivaler a uns 2 reais atuais. Alguns amigos pediram e fiz uns 5 ou 6 "custom-made handcrafted miniskateboards". Uma produção limitada, que dava uma certa manutenção - volta e meia alguém reclamava que a rodinha descolou ou que o skate dobrou no meio. Mas foi um dinheiro justo que, embora não tenha sido capaz de cobrir nem o gasto com canetinha, fez de mim um precoce artesão fora-da-lei, auto-explorando minha mão-de-obra infantil, sonegando impostos que eu desconhecia e fazendo apologia a atividades perigosas para crianças menores de 10 anos - além de criar e vender acessórios para os comandos em ação sem a autorização da dona da patente.

11 de dez. de 2009

Trabalhos II

O espírito de empreendedor fracassado despertou em mim aos onze ou doze anos. Durante as férias na casa da vó eu acordava cedo e, logo após o café, cavocava o canteiro de planta colhendo minhocas. Então ia para a prainha do Riacho Grande e vendia em latas por alguns centavos.

Funcionava bem, batia minha meta diária. A meta era calculada da seguinte maneira: o total de vendas diárias tinha que ser equivalente a no mínimo o preço de uma fanta. Não importava a quantidade de minhocas contidas na lata; se eu colhesse mais, era porque o dia era de sorte, e essa sorte era transferida para minha clientela. O importante era a fanta que eu tomava antes do almoço. Na verdade, o importante era beber uma fanta antes do almoço e subverter algumas regras de um modo justo e discreto.

Quase todas as férias eu fazia isso durante alguns dias. No começo era mais ou menos como eu descrevi. Em outro período, o negócio já tinha evoluído: eu vendia os bigatos. Uns bigatão gordo, bacana mesmo. Primeiro porque a vó já estava quase sem minhoca e ela reclamava que as pranta dela ia morrê. Segundo porque bigato era o que pegava. Tinha um véio que vendia "a granel" no armazém, num lugar meio longe da prainha. A idéia era comprar dele, levar pra prainha e vender por alguma coisa a mais. Não pensava nessa época que meu transporte até lá e tudo mais era subsidiado pelo feijão do almoço, comprado pela vó. Achava que era tudo lucro, e tudo viraria um belo dum refrigerante no fim do dia.

Uma vez eu tive um lucro absurdo vendendo ao dobro do preço costumeiro para um pescador que eu nunca tinha visto. Me pareceu que ainda que eu cobrasse mais ainda assim para ele estaria barato - o que era verdade, hoje me dou conta disso. Voltei para casa comemorando com um gibi, uma torta de morango e um refrigerante.

Evidentemente eu só fazia péssimos negócios. Para mim parecia bom, porque era mais do que zero, e isso já era uma coisa  fantástica. Subverter as regras e tomar refrigerante em dias de semana também me dava uma sensação tão prazerosa quanto um porre de terça-feira véspera de prova - e claro, a sensação de culpa também. Mas a maior recompensa era perceber que todas as regalias eram fruto do meu esforço e nada mais. No momento em que eu sentava na mureta ao lado da porta do bar e tomava minha fanta era como se eu percebesse de um jeito muito simples que eu podia modificar como as coisas seriam para mim, e que não haveria modo de fazer as coisas que me interessavam e viver em harmonia com as minhas vontades e interesses sem um esforço considerável de minha parte.

Adicionalmente, penso na questão do trabalho infantil. É capaz que,  se fosse hoje, e alguém me pegasse fazendo isso, me levaria para delegacia e indiciaria algum responsável por incentivar o trabalho infantil. Na verdade ninguém sabia da minha empreitada, nunca fui de misturar trabalho com família. Mas o mais curioso é que eu aprendi muito quando trabalhei antes dos dezoito. Aprendi o quanto vale o suor, a dedicação, aprendi o preço do erro e o paradoxo da relação entre prisão e liberdade.

Lugar de criança é na labuta.

10 de dez. de 2009

Trabalhos I

Outro dia me lembrei do meu primeiro emprego. Era uma locadora de fita de videogame, eu entrava umas 13h, depois que saía da escola. Atendia na loja e quase todo dia tinha entregas de locação pra fazer na casa dos clientes. A entrega custava uns 50 centavos de URV e ia pro bolso do entregador. Lembro que naquela época meu salário era de 70 URVs, então no fim do mês o acréscimo das entregas ajudavam bastante.

Naquela época não era tão comum ter câmeras nos elevadores. Minha diversão era visitar o último andar de todo prédio onde eu fazia entrega - aquele que geralmente dá saída pra caixa d'água ou algum solarium. Deixava a fita, pegava a grana e ao invés de apertar o botão do térreo, apertava o de maior número.

Muitas vezes não dava certo, ou a clarabóia estava trancada ou era a casa do zelador... mas as poucas vezes que eu tinha êxito compensavam. Aos 14 anos pude mapear do alto um pedaço considerável da zona oeste. Pacaembu, Perdizes, Pinheiros, Vila Madalena, todos lugares que eu conheci de cima. O tempo extra que a minha bicicleta me garantia na viagem era aproveitado dali do topo. Ver o mundo de tão alto para mim era diversão suficiente; queria ser aviador, ter um avião.

Naquela época não tinha Google Earth, nem celulares com máquina fotográfica. Não havia como registrar aqueles momentos a não ser na minha fátua memória e quase que acabei me esquecendo. Passando por uma rua, esses dias, é que me lembrei, e agora está aqui para que eu possa acidentalmente me lembrar algumas vezes mais, futuramente.

Remunerado e feliz, voltava para a locadora; no final do expediente botava no Nintendo a fita do Top Gun.

7 de dez. de 2009

E, de repente, fez-se a nova Emoção. Germinou espontaneamente, independente de qualquer opção ou decisão, no meio de uma poça de água suja e amarelada. Bem como qualquer outra praga, suas mudas sempre foram um motivo de desgaste e dispersão de energias valiosas e com alguns truques consegui manter o jardim seguro de infestações. Mas outro dia, ao lado do batente da porta do escritório, embaixo da mesinha do vaso, estava lá uma mudinha nova. Uma variedade diferente dessa abstração que julguei ser outra coisa, e por isso não matei. É uma espécie híbrida, evoluída. Parece Razão, mas não é. Não tem aquela cara apolínea, aquela cor de musgo, e seu gosto não é amargo.

É uma planta tão diferente que me faz ter motivo pra pegar um quadro branco e pintar novamente. A Arte vive nela e, embora não exista um motivo para tal, existe merecimento.

Salve, amigos.