2 de mar. de 2006

Hoje eu tava imaginando uma situação:

Um homem visitava um parente seu que havia sido internado em um centro clínico mental, finalmente convencido pela família de que seria necessário, e já diagnosticado como um caso de síndrome do pânico. Enquanto aguardava seu amigo acordar de um sono decorrente da medicação forte, um médico o acompanhava pelos corredores da clínica, informando-o da estabilidade do estado de seu amigo e das visíveis melhoras nos últimos dias. Dizia também que muitos casos como esse chegavam semanalmente aos seus cuidados.

Chegando ao final do corredor por onde passavam, os dois pararam para ver uma cena que se passava no último aposento, onde a porta estava entreaberta. Uma senhora encontrava-se sentada na cama, chorando, enquanto uma enfermeira a incentivava a levantar e andar até o banheiro. Dizia sentir medo, porque poderia cair pela janela do aposento, ou porque chão talvez não estivesse firme, etc. Percebendo a presença dos dois visitantes, a enfermeira fez um discreto sinal para que saíssem. O médico fechou então a porta e conduziu sua visita a um pequeno terraço que dava limite ao corredor por meio de uma porta-balcão, que por situar-se no segundo andar de um terreno em declive, poderiam ter uma visão bem ampla do local.

Desconcertado, o homem se manifesta:
-- Não consigo entender isso. Entendo as pessoas que têm medo de andar de bicicleta, porque podem cair, ou as que verificam toda sua comida em busca de metais cancerígenos, mas o que pode fazer uma pessoa ter medo de andar até o banheiro? Que apuro pode ela enfrentar num trecho tão pequeno?

O médico, entendendo a dúvida do homem, lhe diz:
-- Suba aí no parapeito.

O parapeito, erguido por balaústres, ficava a uns 5 metros de altura do chão, e tinha uns dois palmos de largura.

-- Imagina! Eu cairia, com certeza.

-- Eu lhe dou a mão. Pode subir. Vou ficar segurando.

Sem entender, o rapaz sobe no parapeito e, com a ajuda do médico, fica em pé. Ele continuou.

-- Você já ficou em pé muitas vezes antes. Boa parte da sua vida você fica em pé, parado, imóvel, pra esperar o ônibus ou qualquer outra coisa bem simples.

Aos poucos foi soltando sua mão do homem, e pediu pra que se concentrasse e continuasse em pé. Um pouco mais confiante, o rapaz foi se desprendendo emocionalmente das mãos do doutor.

-- Agora ande! - Disse o médico

Ao primeiro passo que tentou dar, o homem desequilibrou-se e teve que ser segurado pelo médico para que não caísse. Sem graça, desceu do parapeito como se tivesse participado de uma brincadeira que não deu certo. O médico então pegou um caco de tijolo e desenhou no chão uma linha reta, e pediu para que o homem andasse sobre ela, que assim o fez, sem maiores problemas.

-- Agora perceba que a dificuldade não é andar. Manter-se sobre essa linha e os limites do seu pé é muito mais difícil do que andar sobre uma superfície de quase quase meio metro de largura. O medo limita seus movimentos e suas ações. Ele pode vir e ir, pode ser grande ou pequeno. E seu caminho vai ser mais ou menos difícil, e seus horizontes vão sempre estar mais ou menos prejudicados pelo quanto de medo você tem.

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