25 de fev. de 2010

Φυγε!!! Φυγε τωρα!!

Em algum momento lhe fez sentido mudar sua vida completamente - deixar para trás absolutamente tudo que viveu e que possuiu, mantendo apenas o fundamental: roupas, alguns livros e no máximo meia dúzia de amigos. Depois, iniciar uma vida completamente nova e louca. Quem diria, se seis meses antes alguém pensaria naquilo tudo. E que peito pra encarar esses começos de mudança, as dificuldades de adaptação, falta de grana, de suporte... fora esconder e dissimular as saudades todas, indesejáveis, cortadoras de climas e baratos - uma hora todas elas devem passar. Esse é o melhor, nada foi assim tão emocionante, nunca. E tudo que é emocionante e novo se confunde com paixão. E paixão, ainda que falsa, altera os sentidos, e aí as dificuldades recebem cores mais bonitas, meio Living on a Prayer, e a sensação de viver a vida de forma extrema faz tudo parecer mais possível, ainda que menos fácil.

Depois de um tempo as coisas já não lhe saíam mais tão bem. O que era novo virou repetido. As dificuldades que antes reluziam como desafios interessantes foram superadas rapidamente, dando lugar à disciplina ingrata da manutenção da falta de problemas. As fortes emoções iniciais são lentamente absorvidas por um tédio estranho.

Frustrantemente percebia que sua fuga havia sido totalmente infantil - não pelos motivos, mas a execução propriamente dita. Infantil como uma criança brincando de esconder, que tapa a cara e os ombros e deixa todo o resto à vista por não conseguir enxergar a si mesma. Fugiu como a criança que foge de casa, anda três quarteirões e acha que lá está bom - por ser um lugar que nunca havia visto, talvez fosse longe o suficiente. Se fosse permitido olhar para trás, comparar com o passado e perceber as coisas, veria que estava vivendo praticamente no mesmo lugar. Estava vendo os mesmos filmes, só que os novos. Comia as mesmas comidas e inconscientemente fazia as mesmas caras de satisfação de sempre. Os novos amigos cultivados não eram outros senão os amigos dos velhos amigos, e as pessoas desejadas e indesejadas haviam mudado de cara, mas não em proporção. Fugir novamente seria inconsequente e desleal. Voltar ao passado, inconcebível. O presente, amargado pelo desejo do sempre-melhor-e-maior, era o próprio fim da linha. Na ausência de opção melhor, fez-se em sua cabeça, pela primeira vez, a crença da esperança, tal qual da dona de casa que o marido volte logo da venda com a prometida garrafa de tubaína.

20 de fev. de 2010

Vida Perfeita


9 de fev. de 2010

Não é normal...

... olhar para cima e ver o preto. Sempre aqui é aquela cor dourada-suja, do reflexo das luzes da cidade na nuvem que ainda não é de chuva, mas que aguarda sua apoteose na hora do rush do dia seguinte.

E preto eu já tinha esquecido como era, assim como azul. Bom, azul é preto, só que de dia...

Mas aí eu olho pra cima e vejo que além do preto existem estrelas. E isso é tão raro que chega a ser esquisito. Mas pior que isso é que hoje eu percebi uma coisa que durante trinta e um anos me disseram e eu nunca consegui ver: elas tem cores diferentes. Tem uma bolota ali vermelha. Ela deve ser uma bolota, mas eu vejo estrelado pela miopia. Acho que metade da capacidade de uma pessoa de ver estrelas no céu está concentrada na sua falta de capacidade de convergir a luz corretamente. Mas é vermelha, ou passou a ser. E mais, não é só ela, tem várias delas. E tem várias outras que eu só vejo com o canto do olho, se eu miro nela, perco de vista.

E estão todas lá, inertes e estáticas, a imperceptíveis dez ou quinze quilômetros por segundo. Todas elas girando em torno de algum sol que agora dorme e aproveitando para desfilar o raro momento onde a lua, aquela soberba umbigocêntrica, se ausenta.


Foi a primeira coisa em muitos anos que me fez dormir uma noite com a luz e com a televisão apagadas.

2 de fev. de 2010

Procurando alguns pontos de equilíbrio entre meus credos pessoais, acabei chegando a uma conclusão difícil de tragar. Assustadora pela sua natureza, mas reconfortante em outros aspectos. Decidi finalmente crer em fantasmas. Mas em fantasmas, apenas. Não acredito em vida após a morte. O erro no caso seria pensar que há uma relação direta entre a morte e o fantasma. Muito embora a morte possa criar fantasmas, eles não se relacionam diretamente.

Na verdade acabei por acreditar que eu mesmo sou um fantasma. Sei que tem gente que se me visse agora, assim do nada, ficaria pálida e teria as reações bizarras de pane cerebral que configuram perfeitamente o comportamento esperado de quem vê fantasmas. Ainda mais, creio em gente que se perturba comigo, que me mantém guardado no espaço metafísico que existe entre o embaixo da cama e o limbo da memória. Que me vê em sonhos e acorda suando frio. E tem quem acredita na minha existência e ao mesmo tempo, talvez por medo, me negue.

E aquela imagem que temos de fantasmas, sempre demonstrando agonia ou desespero, por vezes também é a minha. E muitas vezes sinto que sou translúcido tal qual o estereótipo mais comum - que não consigo desaparecer de todo, mas também nunca sou inteiramente visto. E de relance na rua ou em algum lugar, a pessoa atormentada acha que me viu e toma susto, mas era só impressão, nunca estive lá.

Fantasma é vivo mesmo. Ou não, não é nem vivo nem morto. Mesmo porque, ao que aparenta, fantasmas têm seus fantasmas também, recursivamente, ou até quiçá reciprocamente.

Agora entendo melhor porque os filmes de fantasmas não me apavoram mais.