11 de dez. de 2009

Trabalhos II

O espírito de empreendedor fracassado despertou em mim aos onze ou doze anos. Durante as férias na casa da vó eu acordava cedo e, logo após o café, cavocava o canteiro de planta colhendo minhocas. Então ia para a prainha do Riacho Grande e vendia em latas por alguns centavos.

Funcionava bem, batia minha meta diária. A meta era calculada da seguinte maneira: o total de vendas diárias tinha que ser equivalente a no mínimo o preço de uma fanta. Não importava a quantidade de minhocas contidas na lata; se eu colhesse mais, era porque o dia era de sorte, e essa sorte era transferida para minha clientela. O importante era a fanta que eu tomava antes do almoço. Na verdade, o importante era beber uma fanta antes do almoço e subverter algumas regras de um modo justo e discreto.

Quase todas as férias eu fazia isso durante alguns dias. No começo era mais ou menos como eu descrevi. Em outro período, o negócio já tinha evoluído: eu vendia os bigatos. Uns bigatão gordo, bacana mesmo. Primeiro porque a vó já estava quase sem minhoca e ela reclamava que as pranta dela ia morrê. Segundo porque bigato era o que pegava. Tinha um véio que vendia "a granel" no armazém, num lugar meio longe da prainha. A idéia era comprar dele, levar pra prainha e vender por alguma coisa a mais. Não pensava nessa época que meu transporte até lá e tudo mais era subsidiado pelo feijão do almoço, comprado pela vó. Achava que era tudo lucro, e tudo viraria um belo dum refrigerante no fim do dia.

Uma vez eu tive um lucro absurdo vendendo ao dobro do preço costumeiro para um pescador que eu nunca tinha visto. Me pareceu que ainda que eu cobrasse mais ainda assim para ele estaria barato - o que era verdade, hoje me dou conta disso. Voltei para casa comemorando com um gibi, uma torta de morango e um refrigerante.

Evidentemente eu só fazia péssimos negócios. Para mim parecia bom, porque era mais do que zero, e isso já era uma coisa  fantástica. Subverter as regras e tomar refrigerante em dias de semana também me dava uma sensação tão prazerosa quanto um porre de terça-feira véspera de prova - e claro, a sensação de culpa também. Mas a maior recompensa era perceber que todas as regalias eram fruto do meu esforço e nada mais. No momento em que eu sentava na mureta ao lado da porta do bar e tomava minha fanta era como se eu percebesse de um jeito muito simples que eu podia modificar como as coisas seriam para mim, e que não haveria modo de fazer as coisas que me interessavam e viver em harmonia com as minhas vontades e interesses sem um esforço considerável de minha parte.

Adicionalmente, penso na questão do trabalho infantil. É capaz que,  se fosse hoje, e alguém me pegasse fazendo isso, me levaria para delegacia e indiciaria algum responsável por incentivar o trabalho infantil. Na verdade ninguém sabia da minha empreitada, nunca fui de misturar trabalho com família. Mas o mais curioso é que eu aprendi muito quando trabalhei antes dos dezoito. Aprendi o quanto vale o suor, a dedicação, aprendi o preço do erro e o paradoxo da relação entre prisão e liberdade.

Lugar de criança é na labuta.

Um comentário:

Abelard Benway disse...

Interessante este relato. Lembrou minha infância de infante. Herdeiro do trono que era, jamais conheci o conceito de trabalho, e nunca vi pessoas "trabalhando". Achava que tudo que elas faziam por mim era por pura educação e boa vontade, uma vez que eu podia chutar os eunucos na cara e todos ríamos copiosamente.

Foi um impacto muito grande para mim aprender o conceito de dinheiro e trabalho, por volta dos 15 ou 16 anos de idade.