13 de jul. de 2009

Mal sabia Andrade que ele mesmo seria a menor das vítimas de seus próprios medos. Ah, se naquela noite ele tivesse parado o caminhão...

O Mauro não foi no enterro do pai. Não se conformava. Há mais de três anos que seu velho, o tal do Andrade, estava estranho. Não conversava, não comia, não trabalhava... virou um peso morto para a família, quase que da noite para o dia. E nem se podia colocar a culpa na bebida porque ele nunca bebeu, nem mesmo em festa de ano novo. Foi assim mesmo, sem explicação.

Do que ele morreu, ninguém sabe. Foi encontrado morto afogado no rio. Deve ter pulado da ponte, oi foi empurrado, não dá pra saber mais. Mas ele já estava se matando há muito tempo. Um ano antes, vendera o caminhão à primeira oferta e deu o dinheiro pra uma igreja para a qual teria se convertido mais ou menos na mesma época, sem nem que a família soubesse.

Mauro era o único filho crescido. Deixou de fazer o curso pré-vestibular para trabalhar, evidentemente que contra sua vontade; Todos os dias percebia que seus planos eram ofuscados pelo dessabor de ter que sustentar os pais e as duas irmãs pequenas simplesmente porque aquele que deveria fazê-lo, desistiu. Além disso, cada dia o ambiente em casa era mais pesado. Já estava cansado de ouvir sua mãe dizer àquele senhor catatônico que ainda quando passava a semana fora cruzando o país, ainda era um pai e marido mais presente no lar do que agora que ficava em casa.

Ninguém nunca entendeu a decisão do Andrade de largar a estrada, o sustento, a família e supostamente, depois, a própria vida.

E ninguém nunca entendeu que o que aconteceu foi que em um momento muito rápido, escolheu que não queria perder tudo que tinha. Que queria ver seu filho entrar na faculdade, as meninas crescerem, que ainda tinha muito trabalho para fazer para que sua família tivesse tudo o que ele outrora lhes havia prometido.

E exatamente por isso, naquela noite, naquela estrada, naquela neblina, ele seguiu seu caminho após ter atropelado um homem que trocava o pneu de seu carro, no acostamento. Foi tudo muito rápido. Um farol queimado dificultou ver onde estava a faixa. Uma curva, um deslize, e uma pessoa imprudente no acostamento.

Deveria ter parado. Prestado socorro ou sabe lá o que. Depois, achou que de qualquer forma a polícia o procuraria. 30km adiante, parou em um posto e verificou que não havia nenhuma marca no caminhão, nem nada que o fizesse parecer culpado. Ninguém viu, ninguém soube dizer nada. Andrade morreu sem nem saber quem foi a vítima, e ninguém nunca o procurou.

Ele era um homem bom. Quis voltar. Por muitas vezes pensou em se entregar, mas quem é que iria sustentar seus filhos? Como seus filhos iriam pra escola quando todos lá soubessem que seu pai estava encarcerado por homicídio? Naquele momento, ele pensou que a coisa certa a fazer era cuidar de sua família. Aquilo seria o seu segredo e ninguém nunca haveria de saber.

Com o passar do tempo, os motivos que o levaram à essa opção perdiam lugar em sua mente para um conjunto muito confuso de pensamentos. A culpa, evidentemente, o medo de descobrirem - seja por uma possível investigação, seja por falar dormindo à noite - e o desgosto por dirigir o caminhão. Julgou que a melhor coisa a fazer era falar o mínimo possível, procurar salvação, tentar interferir o mínimo na vida das pessoas, para evitar lhes fazer mal.

E depois de um tempo percebeu que se ao menos fosse preso, mesmo toda a vergonha do mundo ainda seria melhor do que ver sua família se desfazer na sua frente. Não havia castigo pior do que ver seu filho se afastar de seus objetivos. Se ao menos o Andrade tivesse tido coragem de contar a eles... Se ao menos, das possíveis e únicas opções erradas que ele tivera para decidir, tivesse escolhido a outra opção errada...
Ah se, naquela noite, ele tivesse parado o caminhão.

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